A MAIS VELHA PROFISSÃO DO MUNDO: O FANATISMO

FuzilamentoPicasso1951
Pablo Picasso, Massacres na Coreia, 1951
Um fanático é um crente radical. Não admite a contrariedade, a oposição, a divergência. Já fui ( e sou, de certeza, ainda) fanático em muitas situações da vida, já bati com estrondo muitas portas por não estar de acordo, berrei, gritei. Hoje, tenho dúvidas. Muitas.
O fanatismo ataca mais na juventude. A idade democratiza as nossas simpatias e assim vamos quebrando, afrouxando, ficando mais tolerantes. Muitas vezes não é um mérito nem uma virtude, apenas um dos muitos efeitos da idade. Como diz La Rochefoucauld (1613-1680), quando os vícios nos abandonam, lisonjeamo-nos com a crença de que fomos nós a abandoná-los.
Mas se com a idade tendemos a ficar mais tolerantes, sabemos que a semente do fanatismo nunca é extirpada do fundo do poço das nossas contradições. Pode estar a fazer uma longa sesta, mergulhada num sono profundo, mas ela dorme sempre como os cães: um olho fechado, o outro aberto. Um cão, que por vezes se chama Cérbero, o cão que guarda as portas do Hades, o reino dos Mortos, o cão que tem muitas cabeças:
---  A de poucos amigos quando não fuma e vê alguém a fumar por perto.
---- A das frases feitas, a das generalizações, que tanto prazer lhe dão: os brasileiros são, os americanos, clichés que estão só à espera de um abanão para se porem de armas na mão.
--- A dos bairrismos e provincianismos: Braga contra Guimarães, Guimarães contra Braga, Porto contra Lisboa, Lisboa contra…. a procissão não tem fim.
… A dos defensores de um clube de futebol.
Etc, etc, etc....
Muitos destes “fanáticos” gostam de dissertar sobre as Virtudes da Tolerância. Peguemos no exemplo do futebol: se as virtudes da tolerância- religiosa, sexual, etc- forem proclamadas por um fanático de um clube qualquer de futebol, que efeito terá esse discurso nos seus filhos? Um fanático de futebol ensina os filhos a não serem capazes de criticar o clube quando joga mal. Ora, mesmo se sobre outros assuntos ele prega a tolerância, já semeou o fanatismo no coração dos filhos, isto é, não a devoção e o amor por uma causa, mas a paixão cega que é incapaz de reconhecer os erros e os pontos fracos.
No caso deste homem, a tolerância, como tantas outras virtudes, não passa de mais uma palavra bonita do Dicionário. Uma daquelas que, se levou os franceses, em 1789, a declararem a liberdade, igualdade e fraternidade, também levou o fanático Robespierre a exercer o Terror (1793-1794), e a incentivar uma terrível matança ( segundo o historiador Michel Vovelle o balanço de mortes neste período é de 50 mil) até ser ele próprio condenado à guilhotina, em julho de 1794.
O caso Robespierre, curiosamente conhecido pelos amigos como “O Incorruptível”, é um exemplo dos fanatismos vários em que caiem tantas revoluções feitas em nome da tolerância., Mas é também um exemplo – extremo, naturalmente, dada a época e os acontecimentos explosivos vividos na França dessa época- da relação fanatismo-poder.
Sobre esta relação, um autor (de cujo nome agora não me recordo), disse: “queres conhecer alguém? Dá-lhe poder”. É, sem dúvida, um teste infalível. Muitos, mal se sentam na cadeira do poder (seja ela qual for), sofrem um súbito empobrecimento: o mundo rico de cores e de nuancestransforma-se, no espaço de uns meses, num mundo a preto e branco. De um lado, os fiéis; do outro, os hereges. A cadeira do poder faz do mais convicto ateu um crente, um crente na Sua Fé, tão absolutamente sacrossanta, que ele está pronto a encetar uma Cruzada contra todos os infiéis. Os infiéis são muito maçadores, uma espécie de crianças chatas e impertinentes, com a mania dos porquês, às quais eles normalmente  respondem: porque sim, porque eu digo, porque eu quero. E se a criança bater o pé e protestar demais, mandam o Cão Cérbero enfiá-la, de uma vez por todas, no fundo dos Infernos. A guilhotina, inventada pelo médico Joseph-Ignace Guillotin ( 1738-1814), foi, no período do Terror, o braço direito deste cão assassino.
Os exemplos são tantos, que seria necessário um livro de milhares de volumes para contar esta História do Mundo.
O fanatismo, uma erva daninha que nunca será extirpada da terra? Com certeza, sobre isto ninguém tem dúvidas.
O fanatismo, uma erva daninha cujos efeitos podem ser menorizados, se a isso nos dispusermos? Com certeza, sobre isto também ninguém tem dúvidas.
Que antídotos serão, então, mais capazes de combater e aligerar os males provocados por esta mais velha profissão do mundo?
Um deles, muito referido por todos os autores que se têm debruçado sobre este assunto, desde historiadores a romancistas, como o escritor israelita Amos Oz (entre outros, no livro O Fanatismo) é o humor.
Pois tal como não há pessoas felizes más, também não há fanáticos com uma boa dose de sentido de humor.