Folha de S.Paulo
Um brasileiro acaba de ser escolhido pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, para coordenar as políticas públicas da Unaids (braço da organização contra a Aids).
Luiz Loures vai assumir em janeiro a vice-diretoria executiva dos programas da entidade e também um cargo mais político, o de secretário-geral assistente da ONU.
O médico foi um dos pioneiros no cuidado a pacientes com Aids no Brasil. Loures está há 16 anos na Unaids, hoje em Genebra.
Ele diz que espera ver o fim da epidemia da Aids em 15 anos.
Mas, para isso, é preciso quase dobrar o número de pessoas em tratamento, investir em diagnóstico precoce e no fim do preconceito.
O Brasil, opina, tem condições de ser o primeiro país a declarar o fim da Aids.
Folha – Que desafios estão postos nesse novo cargo?
Luiz Loures – A gente está mudando de fase na resposta à Aids. Começamos a falar do fim da epidemia.
O progresso científico permite isso. E estou sendo colocado neste posto para mudar e intensificar os programas e levar o maior número de países a essa meta que, agora, a gente pode começar a estimar.
Eu penso em 15 anos. A Aids vai continuar existindo provavelmente, a não ser que se consiga erradicar o vírus -o que é uma questão para o futuro muito mais distante.
Mas vamos poder dizer que não há mais epidemia. Talvez não em todos os países ao mesmo tempo.
Como o sr. vê o Brasil nesse cenário? Têm surgido críticas sobre a atual política…
Pelo panorama mundial, não tenho dúvidas de dizer que o Brasil é o país com as políticas de Aids mais avançadas e mais inclusivas. Isso do ponto de vista global, eu não estou dentro do Brasil.
Se eu tomo, por exemplo, as estatísticas de acesso ao tratamento no Brasil, as coberturas são as mais altas entre as mais altas do mundo, exatamente porque o Brasil foi o primeiro país a tratar.
Seguindo esse parâmetro, não tenho dúvida de dizer que o Brasil tem condições de ser o primeiro país a declarar o fim da Aids.
O primeiro?
Se o Brasil continuar suas políticas, intensificar onde é necessário. Claro que é um país continental, complexo.
E não que seja uma tarefa fácil, mas não foi fácil em nenhum momento. A trajetória do Brasil nessa área foi marcada pela coragem.
Agora, eu sei que existe um debate. É exatamente aí que está a fortaleza do programa brasileiro, no debate.
Que mudança de postura os países devem ter nessa fase?
É exatamente não mudar muito. O risco hoje, pela complacência, pela existência de outras prioridades, é colocar a Aids em plano secundário.
A humanidade conseguiu avançar tanto em relação à Aids que seria um erro histórico deixar as coisas irem para trás agora, quando a gente tem condição de ir avante.
E até chegar lá?
Há 8 milhões de pessoas em tratamento. Temos de tratar ao menos mais 7 milhões até 2015 para podermos falar que estamos no ritmo.
O teste de Aids tem de virar rotina. Não é bicho de sete cabeças, tem de haver mudança nesse sentido.
Qualquer pessoa no mundo tem o direito e tem de saber se está ou não infectada. É aí que começa o fim da Aids, começa com cada indivíduo.
Quem se trata não só cuida da sua saúde como corta a transmissão.
Além disso, a prevenção tem que ser intensificada. Há dois desafios fundamentais.
Um é nos grupos mais vulneráveis, como o homossexual masculino.
A discriminação ainda é o fator mais importante em muitos países, 78 países criminalizam a relação com o mesmo sexo.
Não tem como pensar que o homossexual vai procurar o serviço de saúde se tem o risco de ser pego.
A mesma coisa em relação ao usuário de droga.
A epidemia na Europa Oriental é a que me preocupa mais no panorama mundial.
A questão fundamental é o seguinte: o usuário de droga é um problema de saúde, não é um problema de polícia.